Foto: Divulgação/ Casa RosadaMilei: empresários que contratarem funcionários que estavam informais terão multas perdoadas

O Temer argentino, pero no mucho

O presidente da Argentina, Javier Milei, consegue emplacar parte de sua reforma trabalhista no Congresso
03.05.24

O presidente da Argentina, Javier Milei, é um libertário a favor do livre mercado e de menos intervenção estatal. Uma de suas principais bandeiras é a flexibilização do mercado de trabalho, parte do pacotão de reformas que ele acredita ser fundamental para “tirar a Argentina do atoleiro”. Em muitas de suas propostas, Milei repete medidas que foram tomadas pela reforma trabalhista aprovada no Brasil em 2017, durante o governo do presidente Michel Temer. Entre seus objetivos está o de reduzir os obstáculos criados pela Justiça do Trabalho e pelos sindicatos à criação de empregos. Em algumas áreas, Milei aparenta se encaminhar para um sucesso. Em outras, nem tanto. Sua reforma não terá a mesma amplitude daquela que o Brasil conseguiu fazer. Mesmo assim, deverá render bons resultados para a economia argentina.

Na terça-feira, 30 de abril, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o pacotão ómnibus de Milei, após diversas negociações entre o governo e a oposição. Um dos principais pontos acordados é a anistia aos empresários que empregaram pessoas no passado sem o devido registro. Caso eles formalizem os vínculos com esses funcionários, poderão ter as multas perdoadas. Trata-se de um incentivo ao trabalho formal. Cerca de metade da força de trabalho argentina está na informalidade, comprometendo a arrecadação do governo. Em comparação, o Brasil em 2017 tinha 40% da população ocupada no mercado negro.

A reforma de Temer não concedeu nenhuma anistia como a que propõe Milei, que também tem como uma de suas metas reduzir os problemas dos empresários com a Justiça. Na Argentina, são comuns os casos de empresários que fecham as portas dos seus negócios porque não conseguem pagar as multas trabalhistas. “Quando um vínculo empregatício não está bem registrado e ocorre uma demissão, o empregador tem de multiplicar a indenização ao trabalhador”, diz o economista argentino Jorge Colina, presidente do instituto Idesa, em Buenos Aires. Um pequeno erro no registro de um funcionário pode dobrar a indenização na hora de uma demissão, segundo ele.

A judicialização do mercado de trabalho desestimula a criação de empregos formais na Argentina, assim como acontecia no Brasil. “Criou-se um costume de empregados que trabalham por alguns meses, acabam demitidos por algum motivo e acionam a Justiça pedindo cifras milionárias que acabam com as empresas”, diz Marcelo Marinovich, de 71 anos, dono de um restaurante no bairro de Palermo, em Buenos Aires. Ele foi alvo de tantas ameaças de litígio em quatro décadas como empresário que perdeu a conta de quantas foram. Todas terminaram em conciliação antes de o caso ser judicializado. Na última vez, em 2022, Marinovich teve de pagar 3 mil dólares a um funcionário que, segundo relata, abandonou o trabalho e alegou ter sido demitido sem justa causa. Ao longo da última década, o número de litígios trabalhistas decolou na Argentina, apesar de a taxa de acidentes de trabalho se manter estável. Na gestão de Alberto Fernández, os processos quase triplicaram e chegaram a 130 para cada 10 mil trabalhadores.

A reforma trabalhista aprovada com o pacotão ómnibus na Câmara dos Deputados nesta semana é uma versão desidratada daquela que Milei tentou impor via decreto em dezembro e acabou suspensa pela Justiça. O governo teve de fazer concessões ao sindicalismo. A ideia de acabar com a obrigatoriedade do imposto sindical, por exemplo, teve de ser abandonada. A contribuição sindical se soma a outros encargos e encarece a mão de obra. “Tenho de desembolsar metade do valor de um salário em impostos por funcionário. Ou seja, a cada dois empregados, paga-se por três”, diz Marinovich. Ele chegou a ter um pico de 13 funcionários no início da década passada. Hoje,  são apenas três.

Outra exigência do sindicalismo acatada por Milei foi a manutenção da supremacia dos acordos coletivos sobre as relações de trabalho. O decreto de dezembro previa a autonomia das negociações individuais entre empregador e empregado, assim como aconteceu com a reforma de Temer. Mas essa proposta ficou de fora do pacotão aprovado na Câmara. “Em alguns setores, os sindicatos mantêm as relações de trabalho sob regras datadas dos anos 1970 e resta às empresas apenas aceitá-las”, diz Colina.

Todas essas concessões podem ter acalmado o sindicalismo. O protesto do Dia do Trabalho, na quarta, 1º, esteve abaixo da média. Há de ver como será a greve geral prevista para 9 de maio, a segunda em cinco meses de mandato do libertário. Na semana passada, Milei sofreu pressão de diversos setores da sociedade, com centenas de milhares de pessoas se mobilizando contra os cortes de verbas nas universidades públicas. Essa foi a maior manifestação desde o início do governo.

Manter o imposto sindical e o papel dessas entidades de classe nas negociações entre patrões e empregados — dois pontos que a reforma trabalhista de Temer conseguiu eliminar — é negativo para a economia, mas pode ajudar Javier Milei a conter os protestos políticos. Os sindicatos na Argentina são muito fortes e podem inviabilizar qualquer presidência não peronista, como já ocorreu no passado.

As propostas aprovadas, contudo, podem dar aos empresários argentinos algum respiro, assim como aconteceu no Brasil. Em 2018, primeiro ano da reforma de Temer, o país registrou saldo positivo na criação de empregos formais. Foram mais de meio milhão de novos postos, o melhor resultado desde 2013. Que os argentinos em breve possam experimentar um pouco dos benefícios já sentidos pelos brasileiros.

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  1. Governar sem apoio do legislativo é impossível, mesmo que a agenda política do presidente tenha sido aprovada pela população. A concessão ao atraso do sindicalismo é inevitável

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