Gustavo Aleixo/Cruzeiro via FlickrRonaldo: todos seus advogados e amigos lhe disseram que era uma loucura assumir o Cruzeiro

Comprando e vendendo sonhos

Apesar de ter entregado o Cruzeiro numa situação bem melhor do que recebeu, Ronaldo deixou o comando do clube no clima pesado de Arthur Miller
03.05.24

Às vezes, o melhor para o homem é simplesmente ir embora, diz uma personagem de A Morte de um Caixeiro-Viajante ao protagonista Willy Loman. Foi no clima pesado da peça de Arthur Miller que Ronaldo Nazário, o Fenômeno, abandonou nesta semana o comando do Cruzeiro, que o revelou para o futebol há 30 anos.

Ronaldo não fez feio com o Cruzeiro. Vendeu o clube com um faturamento cinco vezes maior e de volta à Série A do Campeonato Brasileiro. Além disso, fez um bom negócio: vai receber um valor dez vezes maior do que aquele que desembolsou há dois anos e meio. Ao anunciar oficialmente a venda da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) do Cruzeiro, o ex-jogador falou em sentimento de dever cumprido, mas o discurso era de impotência.

O novo sócio majoritário do Cruzeiro, Pedro Lourenço, vai dar “a velocidade que o torcedor quer”, disse o Fenômeno, que garantiu ter feito “o máximo que podia”. “Quanto vale a coragem que eu tive de pegar o Cruzeiro na segunda divisão com uma dívida de 1,3 bilhão de reais? Teve muita gente muito mais rica do que eu que não aceitou pegar”, comentou em sua entrevista de despedida, na defensiva, ao responder pergunta sobre detalhes financeiros de sua gestão.

Ronaldo comentou que todos seus advogados e amigos lhe disseram que era uma loucura assumir o Cruzeiro e que a loucura foi se comprovando a cada gaveta que ele abria, para encontrar dívidas no clube. Mas o atacante histórico só enxergava potencial no clube. Disse que tomava remédios para controlar a emoção na hora dos jogos e que agora deve tirar um período sabático “até que apareça alguma coisa”.

“Da indústria do futebol eu entendo. Não quer dizer que eu sei tudo, mas provavelmente, no futuro, algo dentro da indústria do futebol eu estarei fazendo. Só tentarei ser mais responsável, daqui para a frente, nos próximos projetos”, disse o herói do pentacampeonato mundial do Brasil, após comentar que poderia acabar sendo preso se tivesse de arcar com as dívidas que foram surgindo.

“Qual é o segredo? Qual é a resposta? Como se faz?”, questiona-se Willy Loman ao longo de toda a peça de Arthur Miller. O vendedor chegou aos 63 anos sem conseguir assumir uma posição que lhe permitisse abandonar as viagens em busca de clientes, que seu corpo não suportava mais. Também não reuniu dinheiro o bastante para descansar ao lado da mulher na casa cujas prestações estava prestes a quitar, após 25 anos.

Ronaldo está longe do drama do caixeiro-viajante de MiIller, mas transmitiu um sentimento de impotência parecido. As comparações com o rival Atlético, de estádio novo, elenco estrelado e título brasileiro recente, certamente não ajudaram na pressão da torcida por resultados ainda mais expressivos. E o ex-jogador já tinha se desgastado como dirigente do espanhol Valladolid, do qual também anunciou que vai se livrar.

“Ele teve os sonhos errados. Tudo, tudo, errado. Ele nunca soube quem era”, lamenta um dos filhos de Willy Loman em seu funeral. O único amigo que sobrou do vendedor responde o seguinte:

“Ninguém ouse culpar esse homem. Vocês não entendem: Willy era um vendedor. E, para um vendedor, não existe o fundo do poço na vida. Ele não põe um parafuso numa porca, ele não te diz a lei ou te dá um remédio. Ele é um homem do desconhecido, cavalgando um sorriso e um sapato engraxado. E quando começam a não sorrir de volta — é um terremoto. E então você ganha algumas manchas no chapéu e pronto, está acabado. Ninguém ouse culpar esse homem. Um vendedor tem que sonhar, garoto. Vem com o território.”

Rodolfo Borges é jornalista 

 

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  1. Obrigado Ronaldo! Vc tem caráter e é um lutador. O Corinthians, meu time, teve a honra de tê-lo como jogador. Boa sorte!

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